*** Texto de António Moura, da agência Lusa ***

Porto, 24 de Julho (Lusa) – Nuno Filipe lembra-se que “não conseguia, por exemplo, falar em público”, acanhava-se, mas as coisas mudaram desde que, há três meses, começou a tratar-se na Unidade Livre de Drogas (ULD) do Estabelecimento Prisional do Porto, em Custóias, Matosinhos.

O seu percurso é um clássico: meteu-se na droga, experimentou quase tudo, arranjou problemas e acabou por ser detido, julgado e condenado.

Nuno, de 29 anos, está preso em Custóias há dois anos. Cumpre ali uma pena de dez anos, “mas ainda não é definitiva”, afirma, porque alguns dos seus “muitos processos” ainda não estão fechados.

Hoje, contudo, afirma que recuperou a sua “auto-estima e adquiriu “confiança pessoal” graças ao programa terapêutico a que se submeteu, por vontade própria, na ULD.

Nuno tornou-se inclusivamente “responsável” por este serviço: “Faço a gestão quando não está a equipa técnica”, tem o cuidado de explicar.

“Mando entre aspas”, reforça, para que não sobrem dúvidas sobre o seu papel.

Uma coisa é certa, segunda garante: a sua experiência como utente da ULD “está a ser positiva, completamente”.

Foi ele e Ricardo Brás, outro recluso que frequenta aquele serviço terapêutico, quem entregou hoje uma lembrança aos quatro oradores participantes na palestra sobre “Toxicodependência e Justiça” que esta manhã decorreu no estabelecimento prisional de Custóias.

A lembrança era um simples azulejo decorado com o símbolo da ULD, feito pelos reclusos que frequentam este serviço, no âmbito das suas actividades ocupacionais.

Entre os oradores contava-se José Pinto da Costa, antigo director do Instituto de Medicina Legal do Porto.

Uma das suas mensagens foi no sentido de que “o recluso deve ter a liberdade de escolher o seu caminho”, mesmo que tal passe por consumir drogas.

“Mas uma pessoa só é livre se estiver informada”, alertou Pinto da Costa, considerando que, “relativamente à droga, há muito pouca informação”.

O especialista admitiu que as drogas podem dar “prazer”. Porém, e tendo pela frente uma plateia constituída quase só por reclusos, deixou no ar uma questão: “Até que ponto vale a pena ter prazer através do consumo de drogas?”.

Pinto da Costa falou de algumas das substâncias mais consumidas e dos perigos que escondem. “O ecstasy está na moda, mas cuidado: o ecstasy mata”.

E a cocaína? “Pode matar só pelo coração”, salientou Pinto da Costa, aconselhando todos a “reflectir” sobre as suas opções individuais e a só avançar “munidos de mais conhecimento”.

Falou ainda sobre os casos mortais provocados por alegadas “overdoses”. Em sua opinião, muitas vezes trata-se na verdade de “minidoses”, porque a droga presente é reduzida e o que sobressai são produtos estranhos misturados com aquela, que vão do talco ao arroz.

Filipe Paulo, professor universitário e representante da organização PortugalGay, fez uma intervenção sobre o “abuso de substâncias na comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros).

O especialista observou, por exemplo, que se verifica entre essa comunidade uma “pressão social para ganhar massa muscular e para ter mais prazer”.

Essa pressão desemboca em muitos casos no consumo de substâncias como o ecstasy e as metanfetaminas em festas que duram mais de um dia, referiu.

O problema é que, frisou Filipe Paulo, as metanfetaminas causam uma “uma elevadíssima dependência”. São “mais viciantes do que a cocaína e a heroína” e provocam danos no sistema nervosos central”.

Seguiu-se um período em que os reclusos fizeram algumas perguntas. A questão mais polémica foi a aparente contradição do programa de troca de seringas em meio prisional, como o que decorre em Paços de Ferreira.

“Não será um incentivo ao consumo de drogas”, perguntou um dos presentes. Outro sugeriu haver “discriminação” entre aqueles que se injectam fora da prisão e os que o podem fazer dentro, mas agora com cobertura legal.

Mas se há seringas tem de haver drogas, disse ainda um outro recluso… Questões como estas não obtiveram respostas inequívocas entre os palestrantes, de que fizeram parte também Ana Tavares, da delegação Norte do Instituto da Droga e da Toxicodependência, e o psiquiatra Freitas Gomes.

A directora técnica da ULD do estabelecimento prisional de Custóias, Ana Gomes, mentora da semana cultural que ali decorre, retirou uma conclusão geral do que foi dito na palestra: “As drogas, no fundo têm efeitos positivos, mas os aspectos negativos são superiores e há soluções que permitem ser-se feliz sem elas”.

A ULD dirigida por aquela psicóloga funciona há 11 anos e tem “uma taxa de sucesso, à saída da cadeia, de 55 por cento”, de acordo com os últimos dados, de Dezembro de 2007.

Nuno Filipe espera também ter êxito no esforço pessoal que está fazer para se libertar das drogas e sair da cadeia “limpo”.


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