Mais de uma centena de membros do PGA Tour reuniram-se em Janeiro, em San Diego, mais concretamente em Torrey Pines, para ouvir desconfiadamente alguns especialistas explicar-lhes como irá funcionar o programa de antidoping que vigorará no mais poderoso circuito de golfe profissional do mundo, sediado nos Estados Unidos, a partir de Julho.

A dada altura, um sujeito com cara de duro, que por três vezes caçou ursos no Alasca e visitou tropas norte-americanas estacionadas na Coreia e em Guantanamo (Cuba), virou-se para a plateia e disparou como se desse uma “drivada” de 300 metros: “Se algum desses tipos vier a minha casa recolher uma amostra sem mandato judicial, será muito difícil escapar-se da minha propriedade sem um chumbo no traseiro.”

Não é difícil de imaginar a reacção dos restantes jogadores na sala à manifestação de testosterona de Frank Lickliter II, o autor daquela declaração. Foi o ponto alto da reunião, mas os enxovalhados consultores do PGA Tour para o programa de controlo antidoping poderão ser os últimos a rir. Se Lickliter II, que não ganhou mais do que dois torneios do PGA Tour na sua carreira e nunca entrou no top 100 do ranking mundial, levar à letra a sua ameaça, arriscar-se-á, daqui a uns meses, a uma suspensão de um ano por recusar a análise. Durante décadas, o golfe desdenhou de outras modalidades desportivas e escusou-se a acolher os controlos antidoping no seu seio. “Não vemos razão para fazer testes. O golfe é limpo”, dizia em 2006 Tim Finchem, o comissário do PGA Tour, espécie de presidente executivo do circuito profissional americano. “Seguir as normas olímpicas não é uma atitude realista no golfe moderno, porque não temos esse problema no golfe”, acrescentava no mesmo ano George O’Grady, o homólogo de Finchem no European Tour, o circuito profissional europeu.

Em muito pouco tempo, ambos viram-se forçados a mudar de opinião e no final do ano passado uma alargada cimeira entre o PGA Tour, European Tour, LPGA Tour, PGA of America, USGA, Royal & Ancient Golf Club of St. Andrews e o Augusta National Golf Club proclamaram irreversível a instauração de uma política antidoping no golfe.

O LPGA Tour, o circuito feminino americano, foi o primeiro circuito profissional a iniciar os testes, logo em Fevereiro. Em Julho, entrarão em vigor os controlos no European Tour e no PGA Tour. A partir desse momento, os torneios do Grand Slam, masculinos e femininos, passarão a acatar todas as deliberações tomadas pelos circuitos profissionais – ou seja, jogadores penaliza- dos com suspensões por análises positivas também não poderão actuar nos majors – e, mais tarde ou mais cedo, outras entidades apanharão o comboio.

Tim Finchem, talvez a figura mais poderosa do golfe mundial, teve de assinar, mas não se conforma. Num desabafo a um jornalista da Associated Press confessou: “Isto contraria tanto tudo aquilo que é o golfe.”

O comissário do PGA Tour referia–se ao ancestral código de honra sagrado de uma modalidade multissecular em que a palavra é lei e na qual os jogadores se acusam no campo das violações cometidas por eles próprios a fim de serem penalizados, só chamando os árbitros em última instância. Mas esse é o golfe que já pouco existe.

Poderemos falar em cavalheirismo quando a esmagadora maioria dos amadores estabelece como objectivo primeiro ganhar torneios em vez de visar, sobretudo, baixar de handicap como nos tempos nobres? Faz sentido apelar a um código de honra quando a Federação Portuguesa de Golfe (FPG) se vê inundada de processos judiciais e alguns dos seus dirigentes submetidos a termo de identidade e residência porque jogadores contestam em tribunal decisões disciplinares federativas?

A democratização do golfe trouxe uma nova realidade à modalidade. Ganhar é agora a prioridade, tanto entre amadores como profissionais. Filipe Lima, o único profissional português membro do European Tour, não tem dúvidas: “É claro que está mais do que na altura de se fazer controlo antidoping no golfe. Já deveria ter sido feito antes. É um dos desportos que mais dinheiro movimenta e onde há dinheiro há batota.”

Gary Player, o septuagenário sul–africano que conquistou nove títulos do Grand Slam, foi ainda mais incisivo no British Open do ano passado: “Sei que há golfistas dopados! Seja com substâncias como a creatina ou com esteróides. É um facto que alguns fazem-no. Um deles disse-me e vi logo alterações visíveis nele. Há, pelo menos, uma dezena de tipos que toma alguma coisa. E o pior é que há médicos que apoiam. Nos últimos cinco anos falei com nove médicos e todos aconselharam-me a tomar algo. Chegaram mesmo a informar-me que ficaria mais forte, a pele mais compacta e até o cabelo mais espesso. Seria capaz de jogar a bola uns 20 metros mais longe.” Filipe Lima também sabe de casos: “Há jogadores que já me disseram que tomaram substâncias para recuperar. É doping. Não acho normal que os outros possam recuperar mais rapidamente do que eu só porque ingerem coisas. Eu nunca tomei nada. Só vinho. Não é justo.”

Está na hora de se tirarem as dúvidas e até aqueles que insistem nas virtudes imaculadas do golfe, apesar de todas as evidências em contrário, reconhecem a necessidade de prová-lo com actos e não com meras palavras.

Manuel Agrellos, o presidente da FPG, antigo presidente da PGA da Europa e da Associação Europeia de Golfe, escreveu num editorial da revista Golf Digest Portugal, que dirige: “Acredito que o golfe é um desporto limpo, ou que, pelo menos, está entre os mais limpos. Mas também considero que não pode ficar eternamente afastado desta matéria tão em voga e escandalosa nos tempos que correm. Se nas outras modalidades se faz controlo antidoping, o golfe não deve fugir à regra, até porque os prémios atribuídos nas mais importantes provas profissionais são os mais altos do desporto e atingem com frequência o milhão de dólares.”

Dick Pound, o presidente da Agência Mundial de Antidopagem (WADA), insiste que “o que a introdução de testes no golfe irá fazer, é deter aqueles que estão a considerar o uso de drogas e assustar os que já recorrem a elas. No futuro, o problema tenderá a desaparecer”. Padraig Harrington, o pacato irlandês que foi segundo classificado no Open de Portugal de 2001 e ganhou o seu primeiro torneio do Grand Slam no British Open do ano passado, resigna-se aos ventos turbulentos que passam e olha mais para a calmaria do futuro: “A transição será sempre difícil, mas em dez anos, quando o golfe for dominado por uma nova geração de jogadores, nem pensaremos duas vezes sobre este assunto.”|

Fonte: DN



Comentários

  1. 1
    Zézoca António Melo Vieira
    Setembro 14th, 2016 em 13:19

    eu tive esse mesmo caso de psicologia inversa mas depois enfiaram-me uma cena no cú e n gostei muito ; _ ;

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