Dra. Elza Pais

O número de casos de Sida associados à toxicodependência é, entre nós, preocupante. O Relatório do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência (OEDT) deste ano, é disso revelador, colocando Portugal no leque dos países com mais casos de toxicodependentes com VIH, logo a seguir à nossa vizinha Espanha.
Com efeito, o aumento de casos de SIDA associados à toxicodependência tem vindo, em Portugal, a registar um maior aumento comparativamente às restantes categorias de transmissão. Sem querer aligeirar a preocupação crescente que, todos os que trabalham nesta área, deverão ter para com dados desta natureza, gostaria, no entanto de referir que, pelo conhecimento que temos da evolução do sistema de notação estatística, tal dado, poderá, contudo, ser revelador, não necessariamente de um aumento efectivo do número de casos nessas circunstâncias, mas significar apenas uma melhor notificação destes casos, isto é, um melhor sistema de vigilância neste grupo populacional comparativamente com as outras categorias de transmissão. Na realidade, as doenças associadas à toxicodependência têm originado articulações inter-serviços de saúde, sendo habitual o rastreio de doenças infecto-contagiosas dos casos que procuram tratamento para a toxicodependência.
Os dados do Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis  sugerem que o ritmo de crescimento do número de toxicodependentes diagnosticados com SIDA verificado até 1997, parece ter começado a estabilizar a partir desta data, embora se trate de valores ainda não ajustados dos atrasos de notificação. Também o ritmo de crescimento da proporção de toxicodependentes com SIDA no conjunto dos casos com diagnóstico de SIDA, tem vindo a abrandar nos últimos anos, tendo sido essa proporção de 59% em 1999.
No que se reporta ao total de casos acumulados e notificados até 30/06/2000, os toxicodependentes constituíam cerca de 50% do total de casos de SIDA notificados. Cerca de 84% daqueles casos pertenciam ao sexo masculino e 92% ao grupo etário 20-39 anos, sendo de destacar o grupo de 25-29 anos ao qual pertencem cerca de 33% dos casos de toxicodependentes com SIDA. Os distritos de Lisboa, Porto e Setúbal, registavam as maiores percentagens do total de casos diagnosticados com SIDA, assim como de toxicodependentes diagnosticados com SIDA.
Sendo unânime a convicção de que os dados sobre os casos de SIDA são insuficientes para uma leitura consistente e integrada do fenómeno, importa investir num melhor conhecimento da realidade portuguesa no que respeita à disseminação do VIH.
A UNAIDS e a OMS já publicaram as normas a aplicar a sistemas de vigilância epidemiológica para o VIH com vista ao reforço dos actuais sistemas de vigilância. Em 1999  desenvolveram-se esforços de modo a incentivar a notificação de casos de VIH, mas outras fontes de informação deverão ser consideradas para uma melhor caracterização da situação.
No entanto, o registo de prevalências de infecção do VIH em populações específicas deverá ser feito com toda a cautela, contextualizando o modo como esses subgrupos se integram em populações de risco e na população geral, de modo a evitar conclusões abusivas e más interpretações da realidade nacional.
No que se refere à população toxicodependente, designadamente o grupo de utilizadores de drogas injectadas, têm sido desenvolvidos importantes esforços no sentido dum rastreio cada vez mais sistemático da infecção do VIH em vários subgrupos populacionais, pressupondo uma estreita articulação entre diferentes estruturas do Serviço Nacional de Saúde. Assim, os toxicodependentes que recorrem às estruturas de tratamento da toxicodependência, os que se encontram em situação de reclusão e outros subgrupos de toxicodependentes com comportamentos de risco de particular gravidade, têm sido alvo de um rastreio cada vez mais sistemático.
Neste contexto, o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT) e outras estruturas de tratamento da toxicodependência, adquirem papel privilegiado no controle da disseminação do VIH entre a população toxicodependente que recorre aos seus serviços. Em 1999, os dados disponíveis apontam para 17.7% de seropositivos entre os que recorreram pela primeira vez aos serviços do SPTT e que apresentaram os resultados dos testes de rastreio. Entre os utentes internados em comunidades terapêuticas, públicas e licenciadas, a percentagem de seropositivos foi de 18.2%. Por outro lado, dados recolhidos no primeiro trimestre de 1999 junto de grande parte dos CATs, indicavam que cerca de 45% dos utentes que recorreram pela primeira vez a estes serviços tinham utilizado, pelo menos uma vez, a via endovenosa nos 30 dias anteriores à 1ª consulta.
O cruzamento de dados sobre a infecção do VIH destas e de outras fontes de informação e a respectiva relativização à forma como se integram no conjunto da população toxicodependente e em última análise da população geral, bem como uma melhor caracterização dos padrões epidemiológicos e dos padrões de comportamento de risco, irão certamente contribuir para uma intervenção preventiva mais adequada às diferentes realidades e a um controlo mais eficaz da disseminação do VIH entre a população toxicodependente.
No âmbito desta intervenção preventiva, há que realçar entre outros, o importante trabalho desenvolvido pela Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA (CNLCS) em colaboração com a Associação Nacional das Farmácias, que, com vista a alterar os comportamentos de risco na população toxicodependente, têm mantido a implementação no terreno dum programa de âmbito nacional – o Programa “Diz não a uma seringa em segunda mão”, instituído em Outubro de 1993.
Este Programa contempla a distribuição de Kits com material esterilizado para consumo de drogas por via injectável, preservativos e material informativo com vista à sensibilização e responsabilização do grupo-alvo no sentido de promover comportamentos de consumo e comportamentos sexuais seguros.
O número de seringas recolhidas desde o início do programa até Dezembro de 1999, evidencia os distritos de Lisboa, Porto e Setúbal como aqueles que apresentaram maior número de seringas recolhidas no âmbito deste programa, respectivamente com cerca de 55%, 18% e 13% do total de seringas recolhidas no país. Se se calcular o número de seringas recolhidas por habitante – tendo em consideração a população residente em cada distrito e a faixa etária 15-39 anos à qual pertencem a maioria dos utilizadores de drogas injectáveis, mais uma vez se destacam os distritos de Lisboa, Setúbal e Porto, respectivamente com cerca de 13, 9 e 5 seringas recolhidas por habitante desde o início do programa, bem como o distrito de Faro também ele com cerca de 5 seringas recolhidas por habitante.
Em 1999 foi alargado o campo de intervenção do Programa com a assinatura de protocolos de parceria com outras instituições que, para além da distribuição dos Kits disponibilizados por este Programa, asseguram também um conjunto de serviços básicos de saúde e apoio social, estabelecendo uma ponte para os serviços prestadores de cuidados de saúde.
Ainda em 1999, foi assinado um Protocolo entre a CNLCS e o IPDT com vista a uma colaboração regular e sistemática no desenvolvimento de projectos/acções no âmbito de programas de redução de riscos junto da população toxicodependente.
É também de referir o alargamento de programas de administração de metadona de baixo limiar em situações mais gravosas, que promovem alternativas ao consumo por via endovenosa e são complementados com medidas de apoio sanitário e social.
Há no entanto ainda muito por fazer nesta matéria e um dos objectivos prioritários a nível Nacional e Europeu no âmbito do Plano de Acção de Luta Contra a Droga 2000-2004 é o de reduzir os danos associados ao consumo de drogas. Nesta perspectiva, o IPDT, em articulação com outras estruturas com intervenção na área da toxicodependência, desenvolverá todos os esforços com vista a um alargamento do rastreio de doenças infecto-contagiosas (entre elas o HIV/SIDA) em populações toxicodependentes. A nível do Sistema de Informação sobre Droga e a Toxicodependência ir-se-á recorrer a múltiplas fontes de informação com a respectiva contextualização dos subgrupos, de modo a permitir uma melhor caracterização das diferentes realidades e contribuir para intervenções preventivas mais eficazes no controlo da disseminação do VIH entre a população toxicodependente. Está também prevista a realização de um projecto de redução de riscos em cada capital de Distrito.



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